Por: Douglas Ceconello, postado originalmente no site Impedimento (http://impedimento.org/2012/03/11/a-furia-roja-que-rachou-a-bombonera/ )
A fúria roja que rachou a Bombonera
Há momentos na vida de um amante de futebol em que a razão deve ser pisoteada e cuspida. Todos momentos, na real, mas alguns mais ainda. Se eu não houvesse comprado o ingresso de uma cambista quando a partida entre Boca e Independiente já estava começando, estaria agora subindo do Obelisco para um ritual de auto-empalamento, já que o jogo foi simplesmente ÉPICO, um dos melhores dos últimos tempos na Argentina.
Não se vendiam ingressos na hora do jogo e óbvio que o segurança não entendeu meu espanhol de jardim da infância quando me mandou para a fila do setor das populares, com todo aquele pessoal exalando CAÑA e falando igual ao TEVEZ. Perdidos fundamentais 20 minutos, fui intimar os guardas sobre onde diabos eu poderia comprar ingressos até que uma POLICIAL me recomendou uma cambista de confiança e escreveu com a pistola mais um verbete no compêndio de nonsense castelhano.
Comprei uma PLATEA por 200 pesos – “YO VOY A VOLVER A PEZITO”, disse ao ASSISTENTE da cambista, apenas para registrar certa revolta – e tudo parecia conspirar para um equívoco enorme quando o ingresso TRANCOU na roleta e tiveram que chamar um cara para DESMONTAR a engrenagem. A esta altura, os rojos já venciam por 1 a 0 – logo eles, que marcam um gol a cada oito meses. Tudo conspirava contra a presença do Impedimento naquele que seria o maior jogo do campeonato até agora. Eu já havia caminhado loucamente atrás de ingressos e corrido uma maratona – na real, MARCHA ATLÉTICA, já que minha TOBILLA ainda carrega a herança maldita da ImpedCopa – ao redor de LA BOMBONERITA, e para vencer os trezentos degraus quase pedi para um policial me algemar e me arrastar para cima.
Sentei no arremedo de cadeira – sobre LA DOCE e do lado oposto dos visitantes – no exato momento em que Ferreyra LUDIBRIOU Orion e cobrou a falta no seu contrapé. Eram seis minutos de jogo e os rojos venciam por 2 a 0. Justamente eles, que estão com Cristian Diaz como técnico interino, que não marcavam gols e que ocupavam a lanterna do Clausura. Contra o Boca, que não apenas estava invicto em 33 jogos nacionais como ainda não havia tido sua meta vazada nas quatro primeiras rodadas. Mas clássico serve para isso – para deturpar a ORDEM – e o Independiente já havia avisado que viria para a guerra na Bombonera.
O primeiro tempo transcorreu com o Boca tentando atacar, sem muito sucesso, com cruzamentos aleatórios que não encontravam EL PELADO Santiago Silva, que ainda não marcou gols pelos xeneizes. Sobre ele, a torcida parece mais se COMPADECER do que sentir raiva, já que, bem, ele tem cara de louco e corre como um cavalo selvagem. Não há como não simpatizar. Mesmo jogando mal, o Boca marcou o gol de desconto, com Roncaglia. Os rojos, que tinham espaços, mas não se aproveitavam, responderam com Farías, que começava sua PERFORMANCE antológica.
A torcida do Diablo, uns cinco mil, castigava suas cordas vocais, em um espetáculo fabuloso durante todo o primeiro tempo. Eu assistia de longe, mas tentava não me emocionar. Estava torcendo pelos rojos, mas qualquer ENVOLVIMENTO poderia me jogar em numa arapuca de PELIGRO irreversível. Apenas em um momento não me contive e levantei durante um ataque do time de Avellaneda, mas logo voltei à sanidade e fingi que olhava para o HORIZONTE. No mais, tentava emitir sons guturais com SOTAQUE espanhol e comemorar os gols boquenses igual ao Tony Ramos interpretando um GREGO. Aos 45, após espanada da zaga roja, Riquelme marcou um gol todo fiadasputa que deixava a partida totalmente imprevisível.
Na segunda etapa, toda a inteligência e volúpia da equipe de Cristian Diaz foram aniquiladas, e o Boca atropelou e manteve o domínio do jogo. Não sossegou enquanto não obteve a virada, com gols de Roncaglia e Ledesma, este último aos 29 minutos, uma cabeçada no canto de Rodríguez, arqueiro responsável por comer uns dois minutos a cada tiro de meta. A partida ficou aberta. A Bombonera trepidou, os xeneizes se esgoleavam cantando uma música baseada em MARIPOSA TECHNICOLOR, de Fito Paez – “Todos los momentos que vivi, todas las canchas donde te segui” – e Schiavi era ovacionado a cada carrinho demente ou balão rumo aos refletores.
O Independiente queria buscar o empate, mas era o Boca quem estava perto de ampliar. MOUCHE havia entrado muito bem e Riquelme parecia ter retomado o comando da meia-cancha. Os diablos, que haviam atacado apenas uma vez no segundo tempo, chegaram a uma inesperada igualdade quando, após cobrança de falta frontal, uma linha de cabeça terminou com Farías escorando para as redes. Tínhamos 43 do segundo tempo, e a partida ficou absolutamente transtornante para todos os envolvidos, e mesmo para aqueles cujo CORAÇÃO não estava intimamente ligado ao desfecho, como era meu caso.
Resolvi me adiantar e deixar as arquibancadas antes de a partida acabar, querendo evitar o estouro da manada azul y oro. Mas um pensamento premonitório me segurou, aquele mesmo ímpeto que havia me feito comprar o ingresso, e resolvi parar na PUERTA para assistir ao final ao lado de uns idosos GENOVESES. Santiago Silva deixou passar entre as pernas o que seria o gol da vitória e, uns instantes depois, Farías foi lançado, deixou EL FLACO Schiavi resvalando na grama de forma constrangedora e, quando a tensão pairava em todos os cantos da Bombonera, deu uma cavadinha sobre Orion, marcando o gol do triunfo histórico do Independiente e gerando um urro primordial dos rojos. Um 5 a 4 inesquecível.
Lentamente, coloquei as mãos na cabeça, um gesto largo e dramático que escondia as quase lágrimas que se formavam e o arrepio que me varreu a PELADURA toda. Olhei para o campo, onde Farías estava deitado, e saí correndo pelas escadas, ouvindo toda a sorte de IMPRECAÇÕES xeneizes que tinham como alvo la concha de toda a humanidade.
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