O presidente chegou à reunião com ganas de se livrar do problema. Este era o terceiro defensor central da lista que havia recebido do treinador, e a histeria de seu representante parecia mais suportável que a de outros. Tinha-se fé. Mas tudo veio abaixo com uma frase do jogador, um medíocre mais que começava a fechar a porta na sua cara:
- Te agradeço a oferta, mas minha esposa está grávida e não quer ir porque em Bahía não há hospitais.
Bahía é Bahía Blanca. Uma cidade que ronda os 300 mil habitantes, com escola e hospitais igual a tantas outras, que termina de traçar a barriga desenhada pela Província de Buenos Aires. A fivela do cinto da Argentina, e uma primeira porta para a Patagônia. Por essa associação com o frio e despovoado sul argentino, os portenhos se surpreendem quando se inteiram que Bahía Blanca está distante uma hora de avião ou oito de ônibus. E antes de vestir a camiseta do Olimpo se perguntam, entre outras coisas, se há hospitais.
A cidade, distante no imaginário portenho ainda que geograficamente esteja mais perto que Córdoba, se fez um nome na cultura popular argentina desde que nos últimos anos um time de futebol se instalou entre os melhores do país. Por mais que os jogadores de Buenos Aires precisem ser trazidos pelas orelhas para que saibam que há vida longe do ruído da Capital, o caminho do Olimpo desde 2001 até a atualidade foi o seguinte: B-A-A-A-A-B-A-B-B-A-A-B-A. Quase como um código binário, no início do milênio o clube deambulou entre a Primeira Divisão e a B Nacional. Sua última conquista foi o regresso à máxima categoria. O quarto acesso em doze anos. O quarto acesso em cinco participações na B.
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Fundado em 1910, definiu as cores de sua camiseta oferecendo uma homenagem ao Peñarol de Montevidéu, o clube preferido de seu primeiro presidente. Assim ficou o negro e amarelo que rapidamente coloriu de futebol e se fortaleceu na cidade. Mas seus fundadores jamais pensaram o quanto se ampliariam esses limites geográficos em um país tão centralizado.
Na década de 80, em meio a uma série de 13 títulos consecutivos da liga bahiense, o Olimpo se fez forte em nível regional. Em 1984 teve sua primeira experiência em um Torneio Nacional, em 1986 se deu o luxo de perder de pouco para o Boca Juniors em uma Liguilla Pré-Libertadores e em 1989 teve uma passagem fugaz pelo Nacional B. Mas foi apenas em 1996, ao superar o Villa Mitre no clássico da cidade e recuperar o lugar na segunda categoria, que o Olimpo não parou de crescer. O que mudou entre uma década e outra? O motivo principal se chama Jorge Ledo. Personalista, líder forte, amigo de Grondona, contraditório, polêmico; salvou o Olimpo de um incêndio econômico sem precedentes. A partir dele, o Olimpo e o esporte de Bahía nunca voltaram a ser os mesmos.
Em 1994 assumiu a presidência de um Olimpo que apenas podia lutar na liga bahiense e encabeçou a formação de uma cooperativa que impedisse que o clube mais importante da cidade fechasse as portas. Sete anos depois, já na B Nacional, no afã de fazer uma boa campanha para reforçar o promedio e salvar-se do descenso, o Olimpo subiu à Primeira Divisão pela primeira vez na história. Foi antes do Atlético de Rafaela, San Martín de San Juan ou do Huracán de Tres Arroyos, para ficarmos em outras equipes de cidades pequenas que puderam conquistar um lugar no futebol grande.
Ano a ano, Ledo convenceu centenas de jogadores das bondades de uma cidade afastada do ruído da capital e pôs tempo e dinheiro para que o sonho persistisse. O problema é que Ledo recuperava seu dinheiro algum tempo depois, e ele era seu próprio órgão de controle. Ao mesmo tempo esses plantéis novos desnudavam as categorias de base paralisadas. E outras disciplinas esportivas do clube apagavam suas luzes porque não havia peso que não se destinasse a salvar o Olimpo do descenso.
Entre subidas e descidas, dentro do clube tudo se desmoronava. O Olimpo perdia seu encanto frente à cidade. Mais além dos torcedores de sempre, os que não faltam em nenhum clube do mundo, o poder do símbolo bahiense vinha abaixo. A decadência institucional marchou a par da saúde de Ledo e seus cigarros. Em abril de 2011, horas depois de o Olimpo vencer o Boca na Bombonera pela única vez na história, faleceu aos 68 anos.
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Em 16 anos de presidência, Ledo havia sido a única pessoa capaz de demonstrar que era possível convencer um jogador de que em Bahía se podia jogar futebol com tranquilidade. E que também havia obra social e escolas para os filhos. E que os salários que prometia, ao contrário do que acontece em vários clubes da capital, no Olimpo se pagam. Ao mesmo tempo, era o principal responsável pela situação de que somente ele fosse capaz de gerir o clube. Tantos anos sem eleições não haviam permitido preparar uma sucessão confiável desde o primeiro minuto. O que acontece depois do grande líder? A bolha havia arrebentado e o futuro era incerto, ainda que dois meses depois da morte de Ledo o Olimpo fosse ganhar do Quilmes na última rodada, assegurando assim não só um ano mais na Primeira, mas também condenando o River a jogar uma repescagem que finalmente perdeu e o condenou à B pela primeira vez em sua história.
Assumiu a condução do clube uma direção formada pelos homens mais próximos de Ledo. Dirigentes testemunhais, que viam como Ledo fazia e desfazia. A assembleia de sócios os elegeu por unanimidade, ainda que ninguém os conhecesse. E a primeira prova de fogo foi reprovada: a montagem do plantel para a temporada 2011-12. Com 29 pontos em 38 rodadas, o Olimpo caiu pela terceira vez em sete anos.
Mas, encabeçada por Alfredo Dagna, a comissão diretiva entendeu que gerir o clube não era simplesmente jogar a loteria do mercado de passes. Um dos primeiros projetos postergados foi incluir as equipes juvenis nos torneios da AFA para, a médio prazo, moldar jogadores próprios. Isto é, os garotos que jogam no Olimpo deixaram de competir entre os discretíssimos times bahienses e começaram a se confrentar, como os profissionais, contra os melhores do país. Além disso, em paralelo a esse descenso doloroso, a massa societária cresceu: a remodelação da piscina de natação mais importante da cidade, equipe de patinação vice-campeã do mundo na Nova Zelândia, convênio para ocupar um lugar na Liga Argentina de Voleibol, projeto integral para o basquete juvenil.
Faltava uma virada brusca no futebol que fizesse esquecer o fantasma de Ledo. E quanto a nove rodadas do final da temporada passada a queda parecia inevitável, os dirigentes contrataram Walter Perazzo para começar a pensar no retorno. Por força da péssima campanha, ficaram apenas quatro jogadores e se contrataram 22 reforços (!). Nem Ledo havia chegado a assinar tantos contratos em um recesso entre temporadas.
Mas desta vez era distinto. Este novo grupo se criou em outro clima institucional que aos poucos, ajudado pelos resultados na cancha, contagiou a cidade. De repente, a equação virou: 22 jogadores novos não só comprovaram que em Bahía Blanca há hospitais, mas também se enamoraram da comodidade e tranquilidade do lugar. E acima de tudo jogaram bem. “Antes sair de Buenos Aires significava um problema, hoje sair de Buenos Aires começa a ser uma solução”, sintetizou o técnico Perazzo, que encaminhou o Olimpo ao acesso à Primeira, concretizado há duas semanas.
O objetivo se confirmou após um empate de um rival direto, enquanto o plantel voava a Buenos Aires para visitar o Almirante Brown. Naquele domingo os jogadores se inteiraram no avião e festejaram no aeroporto. Apenas na terça-feira puderam regressar a Bahía, e a cidade os recebeu com mais de 20 mil pessoas na rua, quase o dobro da capacidade do estádio, o Carminatti. Acostumados a subir e descer, a euforia do quarto acesso foi superior à primeira vez. Mesclaram-se a alegria do retorno à A com a satisfação de saber que sem Ledo também se podia. Em um ônibus aberto, o plantel percorreu Bahía e precisou pegar um atalho para chegar a tempo à sede do clube, onde ia se concentrar a massa que acompanhou o cortejo a pé durante três horas.
Ali, a 700 quilômetros de Buenos Aires, no ponto mais austral do futebol argentino, onde a barra brava não sai nas páginas policiais, está sendo gestado um sonho. Sem violência e sem as histerias que costuma ver o futebol argentino. E reconciliado com uma comunidade bahiense que voltou a crer que o êxito é possível sem brigar com a ética.
Como disse o atual presidente: “Ter uma equipe na Primeira é um fato anedótico e fantástico”. Porque o mais importante é que o Olimpo, outra vez, é o time da cidade.
Postado originalmente no Impedimento (http://impedimento.org/o-olimpo-nao-cai-simplesmente-toma-impulso/) pelo jornalista argentino Tom Wichter.
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