O título argentino conquistado neste final de semana coroou aquele que talvez seja hoje o melhor maratonista do futebol sul-americano (disputando o posto com o Corinthians). O Vélez Sarsfield aposta na continuidade como um fundista. Nem sempre está na frente, mas lá no final passa todo mundo e consegue atingir o objetivo proposto. Perdendo e ganhando torneios, o Fortín se firma como o clube mais consistente da Argentina nos últimos anos.
O trabalho começou quando o ex-ídolo do grande Vélez dos anos 1990 Christian Bassedas – também ele fruto da continuidade, tendo jogado por quase uma década no clube – assumiu como “manager”, no final de 2008. Foi ele quem tirou Iggy Pop do rock n’ roll contratando-o como técnico. Também conhecido como Ricardo Gareca, outro que foi ex-jogador, ele assumiu tão logo Bassedas entrou.
Já no Clausura 2009, a dupla ganhou seu primeiro título. Ali já estavam jogadores que fizeram a volta olímpica neste domingo, como o zagueiro Sebá Dominguez, o lateral-esquerdo Papa, o arqueiro Montoya e o volante (agora capitão) Cubero.
Também é verdade que o Vélez soube ir se oxigenando, trazendo novos jogadores e perdendo outros. Passaram neste período e se foram, por exemplo, o petiço Maxi Moralez, o zagueiro de seleção Otamendi, o liso Martinez ou o insano Santiago Silva. Mas o clube trouxe o ótimo Federico Insúa para a meia-cancha, o também excelente Lucas Pratto no comando do ataque. Outra boa contratação, Jonathan Copete, atacante colombiano que se destacou no título do Independiente Santa Fé no primeiro semestre, mal jogou. O clube de Liniers soube também encontrar revelações como o meio-campista Cerro, que veio do Quilmes, e especialmente Facundo Ferreyra.
Rebaixado com o Banfield no meio deste ano, o moleque de 21 anos foi do inferno à redenção em um semestre. É um dos artilheiros do CLARINZÃO com 11 gols, empatado com Ignacio Scocco, do Newell’s. No jogo do título fez os dois gols da vitória sobre o Unión de Santa Fé, um resultado que parecia óbvio, uma vez que o Unión simplesmente não ganhou nenhum jogo em dezoito disputados no Apertura (agora chamado do Torneo Inicial) e teve DOZE derrotas.
Entretanto, o nervosismo normal das decisões prevaleceu no primeiro tempo. O primeiro gol de CHUKY Ferreyra saiu aos 3 do segundo tempo, de cabeça, e o segundo próximo ao fim da partida, também de puro oportunismo. Enquanto isto, o Lanús não conseguia a vitória contra o River no Monumental, que lhe daria sobrevida, e ainda levou um gol de Rodrigo Mora aos 30 do segundo tempo.
A festa era linda no Amalfitani abarrotado. Impressionante como a quantidade de torcedores do Vélez no estádio é sempre proporcional à relevância do jogo. Numa partida corriqueira, sempre há poucos torcedores. Quando há relativa importância, enchem dois ou três lados do retângulo que é o estádio. Num jogo como o de domingo, lota o estádio como se brotassem torcedores do Vélez e aparecem com maior intensidade os balões, as barras, e todo tipo adereço típico do futebol argentino. A tradicional comemoração na Avenida 9 de Julio, porém, foi alvo de flauta das torcidas rivais, porque ali, naquela via imensa, com umas cinco mil pistas, e PRAÇAS no lugar dos canteiros, fica evidente que é pequena a torcida do Vélez.
Na maratona do Fortín com Gareca, o clube já conquistou três campeonatos nacionais (em 2009, 2011 e 2012). Também fez campanhas boas ou razoáveis em três Libertadores. Em 2010, liderou seu grupo, mas parou nas oitavas ante um surpreendente Chivas, que esmagava a tudo e a todos jogando em casa. Em 2011, parou na semifinal, num jogo épico contra o Peñarol, que inclui muita demência, heroísmo e pênalti desperdiçado por Santiago Silva. Em 2012, mostrou-se um time muito sólido taticamente, parando no Santos de Neymar nas quartas, que precisou parir uma bigorna para marcar um gol na equipe de Gareca e vencer nos penais.
É claro que o Vélez se regozija com o domínio recente, mas também é evidente que quer repetir o feito de 1994, quando assou o São Paulo de Telê e o Milan de Baresi em uma PARRILLA. Talvez o Fortín precise de alguns jogadores de um nível maior para almejar a Copa. Mas a simples continuidade de um trabalho fortíssimo também pode premiar o clube. Gareca faz um certo mistério sobre sua permanêcia, enquanto o presidente do clube o compara a Alex Ferguson. O certo é que é bom para o futebol sul-americano um técnico obter sucesso num longo trabalho.
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Além de Gareca, outro treinador argentino que deverá ser alvo de nossa respeitosa atenção na Libertadores do ano que vem é Gerardo “Tata” Martino. Adotando uma ideia tática semelhante ao que fazia no Paraguai, eliminado pela Espanha nas quartas de final da Copa do Mundo da África do Sul, o treinador colocou o Newell’s Old Boys em sua sexta Libertadores, dessa vez na fase de grupos, ao contrário de 2010.
A tarefa, que parecia impensável no começo do ano, ganha um contorno meio cinematográfico se considerarmos a relação entre Tata Martino, ex-jogador formado pelo Newell’s, com longa trajetória no clube e leproso declarado. Dono de um dos trabalhos mais consistentes entre os treinadores sul-americanos nos últimos anos, Tata Martino recusou empregos melhores para tentar reerguer seu time do coração. E foi com ele que o Newell’s se afastou da zona do descenso e agora retorna à Libertadores, por ter a melhor campanha do ano ao lado do Boca Juniors, em uma condição superior à de mero coadjuvante.
Com Martino, o Newell’s chegou a liderar o Torneio Inicial por várias rodadas, mas foi superado pela maior consistência do Vélez. Mesmo assim, os leprosos despontam como uma das boas equipes da competição, justamente pelo trabalho sólido do treinador. Em campo, o destaque fica para Ignacio Scocco, co-artilheiro da competição com 11 gols. O atacante de 27 anos, revelado pelo clube rosarino e com passagens pelo México, Grécia e Emirados Árabes, é apontado como um dos craques do campeonato.
- Rolando Schiavi aproveita sua última semana como jogador de futebol participando de ações sociais e tirando fotos com misses. A partida de despedida será com o Godoy Cruz do técnico Martin Palermo, que estreou no fim de semana com empate sem gols contra o Quilmes.
- O Tigre, finalista da Copa Sul-Americana, tem solamente uma vitória no Torneo Inicial, e figura na penúltima posição.
- Depois de voltar à primeira divisão no ano passado, no jogo que decretou a queda do River Plate, o Belgrano fez a melhor campanha de sua história – é o terceiro na tabela, com 33 pontos.
- Espécie de Celso Roth do Monumental de Núñez, Ramón Diaz chega para seu terceiro ciclo como treinador do River Plate. Ele já dirige a equipe millonaria na última rodada do campeonato.
- Completo protagonista na competição, o River acabou influenciando na decisão do campeonato. Ao vencer o Lanús, segundo colocado, garantiu o título do Vélez Sarsfield e a presença do rival Boca Juniors na próxima Libertadores.
- O jogo mais dramático da penúltima rodada aconteceu no Nuevo Gasómetro. Bem perto da zona do descenso, o San Lorenzo recebeu o Independiente e saiu perdendo, mas virou a partida no segundo tempo, com um golaço de Alan Ruiz de fora da área. O San Lorenzo termina o ano um pouco mais afastado da região da degola, mas o Independiente segue vivendo seu drama. Após a partida, torcedores insultaram jogadores e o meia Fredes reagiu: “Vení a jugar vos, papi”.
Post originalmente postado no Impedimento (http://impedimento.org/) por Felipe Prestes e Daniel Cassol.
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