O conceito de grandeza no futebol argentino nunca foi uma
questão muito controversa, a não ser para quem vê de fora. Definiu-se que havia
cinco clubes grandes no país e o
status
quo dos mesmos se mantém ao longo dos tempos sem que haja uma contestação
mais sólida. Em meados dos anos 30 do século passado, à medida que o
profissionalismo foi se consolidando, ficou definido que os clubes que teriam
maior poder de decisão junto a Asociación del Futbol Argentino seriam os com
maior número de sócios, maior número de títulos, entre outros critérios.
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Se o Racing é chamado "El Primer Grande", o Estudiantes campeão da América e do Mundo
em 1968 poderia ser chamado de "El Primer No Grande"? (foto: Reprodução/Pasión Libertadores) |
Bom, em relação à Boca Juniors e River Plate fica difícil
fazer qualquer tipo de contestação, uma vez que ambos concentram cerca de
70% do total dos torcedores em toda a Argentina, além de protagonizarem o maior
clássico do país, quiçá do mundo.
Xeneizes e
Millonarios, juntamente com os
outros grandes – Racing, Independiente e San Lorenzo – monopolizaram as
primeiras 3 décadas do profissionalismo. No primeiro ano de abertura, 1967,
este tabu foi quebrado pelo Estudiantes de La Plata. Coincidentemente, no mesmo
ano, o Racing se consagrava como o primeiro clube argentino campeão mundial,
reiterando sua condição de grande – o arqui-rival Independiente já tinha dois títulos
de Libertadores, em 1964 e 1965.
Até o biênio 1984/1985, a temporada era dividida entre os
campeonatos Metropolitano e Nacional. As fórmulas não vêm ao caso, o importante
é ressaltar o crescimento das equipes que não eram (e ainda não são) consideradas
grandes. A diferença entre eles é que o Metropolitano reunia as equipes da
elite, e o Nacional acrescentava aos melhores da elite algumas equipes
classificadas de acordo com torneios regionais. Em 18 campeonatos
Metropolitanos, 11 foram vencidas pelo grupo dos grandes – o Racing não ganhou
nenhum, além de ter amargado o descenso em 1983 (sem conseguir voltar no ano
seguinte), enquanto o San Lorenzo foi rebaixado em 1981. Vélez Sarsfield e
Estudiantes, que não faziam parte do clube dos 5, ganharam o Nacional em 1968 e
1983, respectivamente, além de participar de todas as edições do torneio.
Internacionalmente falando, o Estudiantes foi o
primeiro clube tri-campeão da América – com 3 títulos consecutivos e, vejam só, não se
tornou grande por isto. Na sequência veio o tetra do Independiente, que parece
ter ofuscado um pouco a proeza conquistada pelo
Pincha. O Boca Juniors só foi
conquistar sua primeira Copa em 1977 e o River Plate somente 9 anos mais tarde.
Aliás, um ano antes do Millonario o pequeno
Argentinos Juniors conquistava a América, após levar um Metropolitano e um Nacional na sequência – já sem um
certo Diego Armando. Os dois títulos do Nacional do Ferro Carril Oeste já mereceriam
uma matéria à parte, mas fica o registro aqui de mais um não-grande que
levantou taça. Entre as temporadas 1985/1986 e 1989/1990, a Primera División
foi disputada no formato “todos contra todos”; River, duas vezes, e
Independiente foram os grandes que conquistaram títulos neste formato – nos outros
dois anos, uma taça para Rosario Central e outra para o Newell’s Old Boys.
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O Vélez Sarsfield empilhou (e segue empilhando) títulos na era moderna do futebol
argentino, e conquistou o mundo em 1994 (foto: Divulgação/C. A. Vélez Sarsfield) |
A partir de 1990/1991, o campeonato foi dividido em Apertura
e Clausura, mas na primeira temporada houve uma final, vencida pelo Newell’s
Old Boys. Era a consolidação do futebol de Rosario, cujos clubes também sequer
sonhavam em ser considerados grandes. De 1991/1992 até hoje, a Argentina vem
tendo dois campeões nacionais por ano. Na sequência dos 30 primeiros torneios
os títulos foram revezados entre os 5 grandes e os intrusos Newell’s Old Boys e
Vélez Sarsfield, que à época também cumpriram bons papeis no exterior,
inclusive com o
Fortín ganhando a América e o Mundo em 1994. Apenas no Apertura
2006 que o Estudiantes – olha ele aí novamente – foi quebrar esta escrita,
ganhando o título no desempate, após
amarelada histórica do Boca Juniors.
O que impressiona é a quantidade de clubes que chegaram
forte nesse meio tempo. Considerando a “era moderna”, dos torneios curtos, temos
o Vélez Sarsfield com 8 títulos; Racing, Independiente e San Lorenzo, somados,
tem 6 taças no período. Os rivais Banfield e Lanús, além de Arsenal e Argentinos
Juniors, se igualam ao Racing de Avellaneda – todos tem um título. Enquanto
isto, o Independiente tem 2 títulos, contra 3 do Newell’s Old Boys – o Rosario
Central, arqui-rival da
Lepra, foi quem se perdeu no caminho, com apenas um
vice-campeonato, e alguns anos na Primera B Nacional. Por falar nisto, o “fantasma
de la B” também pegou os gigantes
River Plate, em 2011, e o
Independiente, este
ano. O Tigre, nos últimos 6 anos, tem 3 vice-campeonatos e o Godoy Cruz também
teve ótimas campanhas no período.
Dos últimos 10 torneios nacionais, apenas 2 foram vencidos
por um dos grandes, ambos pelo Boca Juniors, que é o único que vem fazendo jus
ao adjetivo nos últimos tempos. Se formos fazer uma listagem do pódio dos
mesmos torneios, temos apenas 5 posicionamentos de grandes entre os 3 primeiros
em 10 torneios: um vice-campeonato para o River Plate, um para o Racing, e um
3º lugar para o San Lorenzo. Expandindo a análise para o âmbito internacional,
o último título internacional de um grande foi a Copa Sul-Americana 2010, pelo
Independiente. Na Libertadores, o Estudiantes é um campeão mais recente que o
Boca Juniors – o
Pincha conquistou seu tetra-campeonato em 2009, enquanto o
Xeneize levou o hexa em 2007 e foi vice em 2012.
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Lanús, Talleres, Arsenal e Tigre: em comum entre eles, todos clubes "de barrio"
que se tornaram conhecidos em competições internacionais (foto: Arte/Albiceleste Brasil) |
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A Copa Sul-Americana revelou mais alguns clubes “de barrio” para o cenário internacional,
coisa que a extinta Copa CONMEBOL já havia feito na década de 1990. Ou alguém
já havia ouvido falar de Lanús ou Talleres antes das conquistas de 1996 e 1999?
O Arsenal de Sarandí foi apresentado à América na Copa Sul-Americana 2007,
antes mesmo de ser campeão nacional, o que só iria conseguir no Clausura 2012. Ano
passado, apesar dos pesares, o Tigre chegou à final do torneio no ano passado,
e este ano é o retorno do Lanús a uma decisão internacional, após 16 anos. A
chegada fortíssima do Granate nas últimas 3 temporadas, alías, foi um dos
principais motivos que me levaram a escrever este texto.
Não tenho a pretensão de querer retirar a grandeza de nenhum clube,
se os 5 grandes argentinos são considerados assim, foi por seus méritos. No
entanto, é inacreditável que um tetra-campeão da América, como o Estudiantes,
ou um multi-campeão nacional, como o Vélez Sarsfield, não tenham sua grandeza
revista. Particularmente, considero estes dois clubes tão grandes ou maiores
que Racing e San Lorenzo. E, nos últimos tempos, o papel dos clubes grandes no
futebol argentino vem ficando cada vez mais secundário, indo na contramão da
tradição das instituições.