sábado, 28 de abril de 2012

O coração na curva do Rio da Prata

 Há quem diga que é visível a alegria momentânea do futebol argentino. Que se vive um campeonato empolgante, tanto na primeira como na segunda divisão, e que os estádios lotados, panorama frequente nas últimas rodadas, revelam a expectativa de la gente quanto aos desfechos que chegarão com o final do semestre. A euforia também estaria representada pelo duelo à distância que travam os dois gigantes porteños, confronto que aparece nos índices de audiência da televisão e pelo número de ingressos vendidos na Primera División e na Nacional B. Dias atrás, ambos atuaram sob o olhar de impressionantes sessenta mil torcedores – o River em Núñez, diante do Instituto, e o Boca em Córdoba, contra o Belgrano.
Mesmo no interior, existem os satisfeitos com a temporada, os que miram os calendários de parede a cada manhã de trabalho para recordar quando a equipe voltará a entrar em campo. Esses estão em Rosario, e torcem por um revitalizado Newell’s Old Boys que aspirou alma e fôlego novos quando da chegada do técnico Gerardo ‘Tata’ Martino, ou mesmo para um Rosario Central que escala a tabela da divisão de acesso sem nunca deixar de perseguir os que hoje teriam direito a uma passagem certa para a primeira divisão. Ainda se anunciam orgulhosos os aficionados do Vélez Sarsfield que, como já é rotina nos últimos outonos, veem um time capaz de levantar a Copa Libertadores da América, assim como os do Tigre, equipe capaz de reverter um complicado caso de indício de descenso, e os do Independiente, que há anos se contentam de fato com muito pouco.
Mas se podem ser computados os sorrisos, as esperanças e as possibilidades de que saia uma grande esquadra deste futebol argentino, são mais numerosas as amostras de torcedores espantados pelas desgraças que se repetem a cada domingo, por um desespero que se derruba pela tabela como a pontuação dessas equipes ou por uma inércia que terá como consequência anos de permanência na divisão de acesso. Um Cuervo que não ganha altura:começar pela situação do San Lorenzo significa encontrar um punhado de anedotas que só causam graça nos que nem de longe se compadecem com a realidade dos do Nuevo Gasómetro. É conhecida a dificuldade recente do Ciclón, que mobiliza a numerosa torcida para voltar a Boedo, sede histórica do clube, animar um elenco que pouco fez pela camiseta da equipe e salvar a instituição de um novo rebaixamento. Como parece evidente, o clamor popular ainda não pôde garantir a resistência na divisão principal.
Há poucas semanas, em um sinal claro de que o tempo morria e que algo drástico deveria ocorrer, a diretoria anunciou a contratação de Caruso Lombardi, especialista em clubes que flertam criticamente com um rebaixamento. Em outras palavras, um homem que sabe conviver com agudas crises de vestiário e topa as travessias menos iluminadas. Imediatamente, os resultados chegaram: na estreia, um empate de visitante diante do Racing e, em seguida, um 3-0 sobre o Godoy Cruz, talvez o placar mais folgado dos últimos trinta e nove encontros. Veio, então, o confronto contra o Banfield no Sul de Buenos Aires e outra semana de enormes conflitos internos. Dias antes da partida, em uma reunião da diretoria que ocorria à luz de velas, pois naquela noite havia ocorrido uma pane na energia elétrica da região, um par de barras invadiu o recinto para cobrar a renúncia de meia dúzia de diretores. Ameaças à meia-luz: eis a poesia contemporânea dos comandados por Caruso.
Em Lomas de Zamora, a equipe que buscava permanecer alheia à turbulência político-social dos bastidores lograva aguentar a pressão do Banfield. Havia marcado com o centroavante uruguaio Carlos Bueno e resistia até que, nos últimos suspiros e escanteios dos acréscimos, levou o gol de empate que compromete outra vez a média de pontos na tabela do descenso – as contas de hoje levariam o Ciclón à disputa da Promoción. Ainda no Florencio Sola, outro episódio quase dizima a fé que persiste quase intocável nos santos torcedores. Depois da substituição de Juan Manuel Salgueiro, a faixa de capitão do San Lorenzo passou por cinco jogadores que a rejeitaram por completo. Um deles, o jovem Daniel Martínez, chegou a jogá-la para fora do gramado – quando foi avisado de que, sim, alguém precisaria levar o cinturão atado ao braço. Possivelmente a contragosto, a faixa – que por esses dias deve estar ainda mais pesada – terminou com o atacante Emmanuel Gigliotti.
Ao descampado de Globos caídos: do San Lorenzo ao seu rival, da primeira divisão aos causos da Nacional B. Como o Ciclón, o Huracán tem apenas acumulado desacertos nos últimos meses – e de uma forma talvez até mais desesperadora. Após a sofrida queda para o Ascenso, os quemeros de Parque Patrícios parecem estar em uma eterna jornada de desencontros, como se cada final de semana fosse a repetição da mesma derrota. Da ilusão de retornar rapidamente ao convívio entre os grandes, o Huracán passou à ameaça real de emendar um rebaixamento no outro. Em 2012, o clube venceu apenas uma partida, ao tempo em que empatou oito vezes e perdeu em três ocasiões. A consequência lógica é a proximidade com a zona de descenso, da qual se tornou o mais imediato vizinho – após a goleada de 1-5 que sofreu do Aldosivi, o Huracán aparece à frente apenas dos quatro últimos na tabela do rebaixamento.
A crise futebolística em uma instituição que padece da mesma forma em termos econômicos afasta treinadores e apoiadores, de modo que poucos são os que resistem por mais de um mês na casamata do Palacio Ducó. Héctor Rivoira chegou agora, se disse torcedor do clube e definiu, em entrevista para o Olé, o estado em que se encontra o Globo com melancólica exatidão: “yo soy hincha del Globo, mi viejo y mi hijo también, hay muchas cosas que me identifican. Además, siento que vuelvo para dar una mano. Y ojo porque no agarro un fierro caliente, eh. Agarro un meteorito”. Os dramas de sempre: a crise do Racing pouco se parece com as que vivem San Lorenzo e Huracán. Primeiro porque se trata de uma crise eterna, da qual la Academia só escapa para fugazes respiros. Há mais de uma década a equipe não comemora o campeonato nacional, e não é preciso lembrar (ou talvez seja) as circunstâncias da última estrela, a de 2011.
Para a temporada atual, esperava-se que nenhuma grande decepção cobrisse Avellaneda. Havia um plantel qualificado, um técnico experiente e certa sobra nos promedios. Como havia também um colombiano aficionado por tarjetas rojas, um segundo colombiano que não jogou o que sabe e uma defesa que desaprendeu a evitar gols. Aquele Racing de Diego Simeone, que mantinha a meta invicta e que não chegava ao ataque, deu lugar ao Racing de Alfio Basile, que sofreu gols como qualquer outro e marcou menos do que quase todos os demais. Teófilo Gutierrez, o que colecionava polêmicas e expulsões, se desligou do clube. No fiasco derradeiro, ameaçou o arqueiro Saja com um revólver de paintball após o 1-4 sofrido no clássico de Avellaneda. Transferiu-se para o Lanús e disputará a Libertadores. Basile apresentou a renúncia após a mesma derrota, e quem assumiu foi Luis Zubeldía, o novo responsável por fazer a equipe de Giovanni Moreno – o outro colombiano talentoso – mostrar algo mais nas últimas oito rodadas.

Postado originalmente no site Impedimento ( http://impedimento.org/2012/04/24/o-coracao-na-curva-do-rio-da-prata/ ) pelo Iuri Müller.

domingo, 15 de abril de 2012

Independiente 4 X 1 Racing:

AVELLANEDA VERMELHA DE ORGULHO E DE VERGONHA
Estava prevendo algo com essa mão, Parra?
Independiente e Racing se encontraram ao meio-dia deste Sábado no Libertadores de América. Dois eternos rivais e, nesta temporada, o maior clássico da Argentina. O que eles tem em comum? Duas equipes que não se encontraram nessa temporada. O Racing só sorriu nas 5ª e 6ª rodadas as quais meteu dois 3 a 0 sobre os fracos All Boys e Olimpo. E o Independiente chegou ao clássico em uma crescente. Nos últimos 5 jogos, três vitórias (incluindo um 5 a 4 no Boca) um empate e uma derrota.

O jogo começou quente, nervoso e bem equilibrado. Logo aos 12 minutos de jogo, Cristián Díaz debutando em um clássico profissional acabou expulso. Mesmo assim, ele seria um dos mais importantes do jogo. Foi ele quem acreditou na linha de três meias garotos criados na mesma base comandado por ele. São eles: Villafañez (20), Monserrat (19) e Patito Rodríguez (21). Aos 26, Milito foi isolar uma bola perto do escanteio e a acabou entregando para Haúche. El Demonio fez grande jogada e cruzou para Teo Gutiérrez tocar para dentro. O Independiente acordou. Aos 35, após um bate-rebate danado, Parra bateu, de primeira, no ângulo de Saja.

A declaração pós-jogo de Basile parece ter sido ouvida no Intervalo. "Se eu perder para o Independiente, saio por conta própria". A ironia fez mal. Os garotos, também torcedores do clube, entraram no jogo no segundo tempo. Em um dos primeiros lances, Pelletieri, melhor jogador do Racing, salvou em cima da linha. Depois, Saja operou milagres em chute de Monserrat. Aos 10 minutos, grande jogada de Villafañez pela direita e cruzamento rasteiro. Bruno Zuculini toca em Patito Rodríguez que despenca. Zuculini expulso e pênalti, muito duvidoso, para o Rojo. Parra bateu no meio do gol e deixou seu dublete. O Racing ficava nervoso e, como demonstração disso, Teófilo Gutiérrez desferiu palavras, no mínimo, de baixo calão ao Sérgio Pezzota, árbitro do confronto. Outro expulso. Saja virou o líder do time e chegou a atravessar o campo para animar seus companheiros. O destino quis que Pelletieri tivesse a bola do jogo em seus pés. Com dois a menos, após bola na área, o ex-jogador do Lanús perdeu quase embaixo da goleira. O Racing tentava a todo custo o empate, porém abriu espaço e um contra-ataque Rojo matou a partida. Parra finalizou, Saja deu rebote nos pés de Patrício Vidal, outro garoto da base. Para fechar a conta, Patrício Rodríguez, a principal revelação do Rojo, ao contrário de Gio Moreno, recebeu bola na ponta esquerda. Meia-lua em Aveldaño, drible em Martínez e Cáceres e chute forte no ângulo de Saja.
O último com a camisa celeste?

Avellaneda pintada de vermelho. Uma parte com as camisas do Rojo, outra parte, com certeza, vermelhas de vergonha. Além da goleada, confusão no vestiário. Segundo jornalistas do Diário Olé, Saja foi tirara satisfações com Teo e acabou agredido pelo companheiro. Gio foi separar e também acabou agredido. Depois de ter sido contido, Teo teria ameaçado Saja com uma arma de brinquedo/ar comprimido segundo fontes. O colombiano foi expulso do ônibus do Racing pelos seus próprios companheiros e teve que ir para a sua casa de táxi. Seu contrato deve ser rescindido nos próximos dias. O se Basile já foi. O que não faz um clássico, hein?

River se reencontra com a vitória na Nacional B


Mesmo tendo que jogar no péssimo gramado do estádio Monumental, claramente prejudicado pelos shows do cantor Roger Waters ocorridos durante a semana, o River Plate não teve uma de suas melhores atuações, mas, jogou o bastante para conseguir uma vitória por 2 a 0 sobre o Huracán, mantendo-se na vice-liderança da tabela.

Com ambas as equipes encontrando dificuldades pra jogar graças ao péssimo estado do gramado, o primeiro tempo foi muito fraco. O River atuava de maneira apática e não buscava se impor em campo, enquanto isso, o Huracán buscava se aproveitar das deficiências da defesa dos donos da casa para buscar chance nos contra-ataques, mas, nada de relevante veio a acontecer na etapa inicial.

No segundo tempo, Matías Almeyda lançou a campo uma equipe bastante ofensiva e logo o resultado veio.  Maestrico Gonzalez chutou cruzado e o zagueiro Hernán González, do Huracán,  acabou colocando para dentro, determinando o primeiro gol da partida. Já o segundo, veio quando o River já estava com dois homens a mais em campo e o artilheiro Cavenaghi apareceu bem ampliando a vantagem, tudo isso nos primeiros 13 minutos da metade final do jogo. Após os gols, os milionários apenas administraram a vantagem e buscavam não dar espaço para os visitantes, com isso, o jogo acabou no 2 a 0 mesmo.

Com  o triunfo, o River diminui para 1 ponto a distância do líder da B Nacional, o Instituto, que ainda joga nesta rodada contra o Atlanta. O Quilmes, 3° colocado, pode se igualar ao números de pontos do tão tradicional time caso vença o Rosario Central nessa segunda-feira.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

A vitória da normalidade


 Estranho seria se o Fluminense fizesse seis pontos sobre o Boca Juniors em dois jogos pela Copa Libertadores. Estranho seria se o tricolor das Laranjeiras emendasse cinco vitórias seguidas depois de apresentações deficientes. Estranho seria se um time com dois volantes no diminutivo, Edinho e Diguinho, formassem o meio-campo da equipe de melhor campanha na primeira fase da competição. O que as 36 mil almas viram na noite desta quarta-feira, no Engenhão, foi o retorno da normalidade. A Terra voltou a girar. O Boca Juniors esfregou na cara do Brasil o diploma de pós-graduação na Escola Superior do Pragmatismo e venceu o Fluminense por 2×0, garantindo vaga nas oitavas-de-final da Copa.
Anormal era a sequência de quatro vitórias de Los Once de Unimed. Abel tem um excelente grupo na mão. Quando The Braga Boys jogam afinados, estão no topo do continente. Mas, por mais que a escalação tenha salários equivalentes à economia do Paraguai, a equipe vinha vencendo sem mostrar qualquer sinal de que seguiria vencendo. Se não acredita no nosso testemunho, acredite nos números: foram cinco gols em cinco partidas e três vitórias suadas. Contra o Arsenal, na estreia, o 1×0 se justifica pelo nervosismo, volta de férias ou qualquer outra mandinga. Mas, contra o glorioso Zamora, as vitórias também foram mínimas – no placar e no campo. A única boa partida foi na Bombonera, contra o mesmo Boca Juniors. Com esse currículo, era forçado acreditar que os 100% e a liderança na TABLA geral do certame eram concretados em pilares sólidos.
Em campo, o Fluminense mostrou a rotina pouco inspirada. De um lado, Wellington Nem (a melhor figura da equipe na temporada) corria como se preparasse para Londres 2012. Do outro, o lateral Carlinhos acertava um cruzamento ou outro. No meio, Deco armava isolado, feito um parlamentar em busca de apoio para reduzir o salário dos colegas. Lhe faltava companhia: Edinho e Diguinho não contribuem à frente e Thiago Neves… onde anda Thiago Neves? Quando a bola chegou em Fred, o centroavante dominou um cruzamento no peito e chutou sobre Orion.
A inoperância tricolor servia ao esquadrão xeneize. Porque o Boca se propõe a dar algumas botinadas e, se o adversário permitir, chutar uma outra bola em gol. SE o adversário permitir – ainda mais sem Riquelme, machucado. E o Fluminense permitiu. Aos 33 do primeiro tempo, a zaga do Boca deu um balão para frente e Leandro Euzébio cabeceou para trás. Ninguém conseguiu cortar, e Darío Cvitanich se desvencilhou de Diguinho, que tomou feito um xaxim seco, e marcou o primeiro dos argentinos. O leitor tem o direito de perguntar: o Boca não joga nada e ganha elogios; o Flu não joga nada e leva pau? A dúvida é justa. Mas a realidade é um pouco mais complexa. Não é à toa que 36 mil tricolores encheram o Engenhão nesta noite. Eles esperavam ver o Fluminense da Bombonera, esperavam vem a ressurreição de Thiago Neves, queriam Fred pedindo música no Fantástico, queriam assistir Deco distribuindo chapéus na intermediária. Tricolores e xeneizes possuem o inalienável direito de vencer jogando pouco – é a Libertadores, oras -, mas há uma clara diferença de expectativas entre as duas equipes. O Flu seguirá adiante quando encontrar MAGIA no seu futebol, porque é o que se espera dos salários bancados pela Unimed. Enquanto o Boca SE PROPÕE a amorcegar o jogo e fazer o mínimo necessário para vencer. Nesse sentido, a partida do Flu foi horrível, e a dos argentinos, perfeita.
Tudo poderia ser diferente se, no final do primeiro tempo, Fred tivesse convertido bom cruzamento pela direita, mas Orion salvou mais uma vez. Para o segundo tempo, Abel tentou uma formação mais agressiva, tirando Edinho após se dar conta que o volante possui uma tatuagem de uma onça que caminha por um JARDIM FLORIDO no braço esquerdo – inadmissível até para o delicioso ofensivismo irresponsável de Abel Braga. Entrou Jean, que pouco contribuiu. Fred deixou o campo sentindo alguma lesão muscular ou vontade de conferir o que rolava no bizarro camarote VIP que ganhava atenção demasiada de um importante canal de televisão nacional cujo nome será omitido a fim de poupá-los da VERGONHA. Wellington Nem seguiu sendo o único capaz de provocar algum furdunço nas trincheiras azul y oro.
No entanto, aos 29 minutos, Santiago Silva fez (de novo) boa tabela com Mouche e deixou o atacante livre para cruzar para a área. A defesa tricolor se atrapalhou e deixou Sánchez Miño em condições de decretar os 2×0. Aos 40 minutos, WELLECTRON NEM mais uma vez saiu correndo em busca do novo recordo dos 100m rasos e foi parado dentro da área por El Flaco Schiavi, que resolve da maneira correta as limitações impostas pelos 39 anos de idade. Rafael Moura, que havia ingressado em campo no lugar de Fred, pediu para bater e jogou a meia altura. Não bateu totalmente mal, mas telegrafou e facilitou para Orion.
Com isso, Boca está classificado e pode até roubar o primeiro lugar do Flu na última rodada caso o tricolor perca para o Arsenal, em Sarandí. A esquadra xeneize pega o Zamora, na Bombonera.
Postado originalmente no site Impedimento (http://impedimento.org/2012/04/12/a-vitoria-da-normalidade/) pelo Alexandre de Santi.